Coração de Tinta - Resenha

Para a resenha desta semana, pensei em fazer alguma que pudesse conversar com o dia dos pais que acontecerá já neste domingo. Então fui até as minhas prateleiras de livros e procurei algum livro que já li e se relacionaria com a data. E, nossa, como são poucos os livros com pais minimamente bons. Bem, a arte se baseia na vida para a sua criação, então era de se esperar que a maioria dos livros tenha pais ausentes, pais abusivos ou pais que já faleceram.
Mas encontrei um livro com um dos melhores pais dentre aqueles que já li: Coração de Tinta.
Coração de Tinta, ou Tintenherz no título original, foi lançado em 2003 pela autora alemã Cornelia Funke. Havia conhecido a história primeiramente pelo filme de mesmo nome lançado em 2008, estrelado por atores como Brendan Frazer (Mortimer) e Eliza Bennet (Meggie). Quando vi o exemplar dele vendendo em uma livraria da minha cidade, eu precisava comprar e fui direto para a leitura.
Ao longo da narrativa acompanhamos Meggie, uma menina de doze anos viciada em livros, gosto herdado do pai. Mortimer, ou Mo, um homem que cuida sozinho da filha após a morte da esposa quando a menina ainda era muito pequena e trabalha com reforma de livros muito antigos. No entanto, a história não se resume apenas à relação pai e filha, mas sim, à questão de que Mo é um Língua Encantada, um leitor que, ao ler em voz alta, pode trazer personagens do livro para a sua realidade.
Sendo assim, quando Meggie ainda era muito pequena, Mo leu o livro Coração de Tinta em voz alta para ela e para a esposa. O que ocasionou em personagens fictícios saírem de sua história, sendo eles Capricórnio junto a um de seus capangas, Baltazar, e Dedo Empoeirado. Seguindo a troca equivalente, algo do mundo real devia entrar nas páginas do livro, sendo assim, Teresa, é sugada para o mundo fantástico.
Com personagens incríveis, uma maravilhosa construção de mundo e uma aventura envolvente, Coração de Tinta conquista qualquer leitor amante de fantasia. Fico triste por este livro não ser tão falado quanto deveria, cada vez que releio essa obra fico maravilhada com a forma como a autora consegue misturar tantas histórias icônicas em um só livro. Desde O Soldadinho de Chumbo até Ali Babá e os 40 Ladrões, com personagens que vêm dessas histórias, tendo direito até mesmo ao Totó de O Mágico de Oz. Esse foi o livro que me fez querer ler tantos outros livros por fazer o ato de leitura mais do que apenas sentar e ler palavras em páginas, mas ter direito a diversas aventuras e vidas em apenas uma vida.
"(...) E talvez letras não nos revelem mais do que aquilo que vemos quando espiamos pelo buraco de uma fechadura. Talvez elas sejam a tampa de uma panela que contém muitas coisas além do que podemos ler." (FUNKE, 2003, p.133)
Além de trazer diversas passagens incríveis, como na seguinte que nos conta um pouco uma das muitas formas de doutrinação feita na Idade Média, por exemplo:
"- Sim, a arte ilumina! - ela disse [Elinor]. - Antigamente, apenas os ricos sabiam ler. Por isso, para que os pobres pudessem entender as histórias, existiam as figuras em cima das letras. Naturalmente, eles não faziam isso pensando no prazer dos pobres, afinal eles estavam no mundo para trabalhar, não para serem felizes ou para verem belas figuras. Isso estava reservado aos ricos. Não, eles queriam doutriná-los. A maior parte eram histórias bíblicas, que todos já conheciam de qualquer forma. Os livros ficavam nas igrejas, e a cada dia se virava uma página e se exibia uma figura diferente." (FUNKE, 2003, p. 43)
Escolhi este livro para a semana do dia dos pais por retratar um pai que ama a sua filha mais que tudo, que dá tudo de si para ensinar o que conhece, educá-la e protegê-la. Mo pode não ser um pai perfeito, ele errou muito feio quando escondeu da filha a real razão do desaparecimento da mãe, apenas se propondo a explicar para ela quando personagens de um livro começaram a persegui-los pela Europa. Mas ele ainda é um pai que faz o mínimo, cuidar de sua filha, e um pouco mais quando faz de tudo para ficar junto dela.
Mo é um dos meus personagens favoritos dentro da narrativa por ser um pai de verdade. Um pai que mostra os seus defeitos e que mostra a sua vulnerabilidade sem medo.
Coração de Tinta pode ser um livro infanto-juvenil, mas me acompanhará por toda a minha vida. Me mostrou como a maldade de vilões de livros não está presente apenas na ficção, quando se percebe que Capricórnio não é tão diferente de muitas pessoas do mundo real, mesmo vindo de um mundo de fantasia. Me mostrou como não podemos pensar que estamos fazendo o melhor para as pessoas sem escutá-las, como no caso de Dedo Empoeirado que, apesar de estar em nosso mundo, avançado em muitos sentidos (e precisamos avançar muito mais), ele apenas quer voltar para casa. Me mostrou que, ainda que eu tenha o poder para fazer algo, não quer dizer que eu deva fazê-lo, como Meggie fez, mesmo tendo utilizado isso ao seu favor mais tarde.
Esse foi o livro que me fez falar um não bem redondo quando alguém pergunta se quero entrar na história de algum livro que leio, ou trazer algum personagem. Não, eu estou bem onde estou (apesar de estar no Brasil atual ser bem difícil) e o personagem está bem onde está.
Queria dizer que, apesar de o livro trazer muitas coisas boas e de ser um livro muito legal para inserir alguém mais novo para o mundo da literatura, é um livro com pouca representatividade. É um livro escrito por uma mulher branca européia em 2003, não temos como esperar muito disso, apesar de ser algo extremamente necessário. A única representatividade que me recordo é a de Farid, um menino árabe que veio direto do livro Ali Babá e os 40 Ladrões, e não é a melhor das representações, pois é repleta de estereótipos. No entanto, temos mulheres fortes que tem muita autoridade ao longo da narrativa.
Bem, é um livro incrível, mas que deve ser lido com um olhar mais vigilante, já que traz um pouco da realidade da autora, uma realidade eurocentrada. Como faz tempo que reli, não me recordo de desrespeito ou preconceitos a nenhum povo ou comunidade, se vocês sabem de algo com relação a isso ficaria muito feliz se pudessem me informar!
Irei reler esse livro e, se houver alguma coisa que acho importante informar, faço uma atualização da resenha. Se você acha que faltou alguma coisa nesse texto, algo que discorda ou apenas algo que queira comentar, ficarei honrada em saber quais são os pensamentos de vocês sobre essa resenha e esse livro. Comente na caixa de comentários logo aqui abaixo ou mande-me um e-mail! Não se esqueça de dar uma olhada no Instagram e no Tiktok @cafe_sucodemaracuja onde também pode deixar o seu comentário. Até a próxima resenha. ;)